quinta-feira, 18 de agosto de 2011

A lista


            A hora se arrastava junto com a aula. Vagarosa e incerta, como se estivesse perdida. Os ponteiros dos segundos e dos minutos hesitavam em moverem-se. Pareciam não saber se avançavam no sentido horário ou se retrocediam e a sensação era de que o intervalo entre oito e nove horas da noite já perdurava por mais de três horas. Ou meu relógio havia parado? Chequei o celular. Mesma coisa. Analógico e digital – e talvez até o atômico. – compactuavam com aquela tortura. Tortura? Não. Estava mais para um teste de paciência. “Você tem bagos?” - O relógio perguntava. “Você tem bagos?” - O celular perguntava. Você tem culhões? – A professora perguntava. “Você tem paciência?” – Deus perguntava. Alguém passou no corredor com um livro de biologia debaixo do braço. “Você tem bolsa escrotal?”
            Ironicamente, embora a hora avançasse como uma tartaruga despreocupada, ao mesmo tempo se aproximava do limiar de horário no qual era de meu interesse ir embora dalí. Não que eu não pudesse sair, mas por motivos acadêmicos que não valem apena serem explicados, tinha que esperar para marcar presença. Passasse das nove horas e dez minutos, seria obrigado a permanecer até às dez a espera de um trem. A espera do trem é como uma fila de circo. O trem no Rio de Janeiro não passa disso: Um circo. Desde a mulher barbada até um bando de animais em exibição te oferecendo seu conceito de diversão barata. Um show bizarro, nada agradável. A diferença, é que no Trem-Circo o palhaço é você.
            Eram oito e quarenta e cinco quando a professora, em um gesto de piedade ou simplesmente seguindo a rotina, entregou ao primeiro aluno da fileira do canto esquerdo da sala uma folha de caderno pautada, para que cada aluno escrevesse seu nome, confirmando assim sua presença. Era só o que eu precisava. Mas o teste de paciência ainda estava sendo aplicado sobre mim, e para minha infelicidade, eu estava sentado na segunda fileira, a partir do canto direito da sala. Sete fileiras me separavam da lista. Em um rápido e aproximado cálculo mental, imaginei que em cerca de dez minutos a lista chegaria até mim, e com ela meu alvará de soltura daquela tortura. Mas foi ai que tudo mudou. Em um piscar de olhos o ponteiro dos minutos havia avançado um doze avos das frações do relógio, levando embora cinco minutos. Era como se Cronos tivesse percebido a anomalia temporal que fazia com que o tempo estivesse correndo com lentidão e resolvido compensar as coisas. Hora errada Cronos. Ou era isso, ou o restante das pessoas naquela sala eram simplesmente lentas demais e incompetentes demais, incapazes de escrever seus próprios nomes em uma velocidade plausível para um ser humano. Como não acredito em Cronos, fiquei com a segunda opção. Talvez não fosse culpa deles. Dos alunos. A maioria provavelmente estava prestando atenção à aula, tornando o preenchimento da lista uma atividade secundária. A agonia do momento me fez devanear sobre todas as listas que já havia assinado, e todas as chamadas que já havia aguardado. As chamadas orais eram piores. R. Porque tinha que ocupar uma posição tão distante no alfabeto? No aguardo ainda tinha que ouvir nomes que pareciam inventados com o único objetivo de burlar a ordem da chamada. Eginaldo. Quem foi que tirou o R dalí?! Periandro? Arquimedes? Pelo amor de Deus, homenagens têm limites. Em meio a tantos nomes ridículos, não me importaria de me chamar simplesmente A B da silva C. Mas meus pais preferiram Renato. Lá fora o vento parecia um bêbado, incapaz de se mover em uma única direção. Junto a isso, esfriava e a noite se tornava mais cinzenta. Talvez chovesse mais tarde. Enquanto isso, a lista lutava para me alcançar. Chegou até mim cinco minutos depois do limite e dez minutos mais tarde a aula havia terminado. Tirei um “Raymond Chandler” da mochila e entrei na fila, do circo e da chuva.