segunda-feira, 2 de maio de 2011

O Homem no Espelho

Eu o conheci numa tarde de Domingo, há alguns meses, mas quando o vi pela primeira vez, tive uma estranha certeza de que já o conhecia. A aparência familiar, o jeito, o sorriso, e principalmente, aquele olhar. O olhar de um homem que enxergar à frente, que mira o futuro, sem medo de seu passado. Passado que jaz sepultado no tempo, o cemitério dos cemitérios, que implacável um dia levará todos os corpos, mentes, sonhos, desejos e memórias, todos perdidos no esquecimento eterno. O tempo é mesmo cruel e insuficiente, mesmo para o mais sábio dos homens. Mas não é sobre o tempo que eu quero falar. Voltemos ao homem. Neste momento ele está em minha casa, estirado sobre a pia do banheiro, morto. Eu o matei. Calma! Não julgue antes que eu lhe conte a minha história. No final, você provavelmente vai me chamar de louco, mas eu ainda não perdi as esperanças de que alguém me compreenda.

De certa forma, estou aliviado que ele esteja morto. Porra! O que você queria que eu fizesse? O cara vem até a minha casa, sem ser convidado, me encara, me julga, me desrespeita, zomba de mim, na minha própria casa! Porra! Ele mereceu. E digo mais, eu devia ter feito isso antes, talvez na mesma tarde em que o conheci. Mas eu não fui capaz de perceber o que ele realmente era naquela tarde. Tivemos uma prosa agradável, me pareceu um cara bastante amistoso, sábio, apesar de novo. Estudado, com um trabalho respeitável, uma mulher incrível, meu pai teria orgulho de um filho como ele. Diabo! Qualquer pai teria orgulho de um filho como ele. Sabe aquele tipo de pessoa que você conhece e pensa: "Nossa, queria poder ser como esse cara."? Então, exatamente esse tipo de cara.
Achei incrível descobrir que a vida dele não tinha sido diferente da minha em muitos aspectos, apenas algumas decisões diferentes, um pouco de dedicação, e um pouco mais de sorte - embora eu não acredite nisso - e as coisas poderia ter sido diferentes para mim. No fundo eu já sabia disso, e na verdade, isso vale para qualquer pessoa. Tudo que você é e será um dia é resultado de como você leva a vida agora, não há o que reclamar. Mas nós reclamamos é claro, nós almejamos, nós invejamos. E eu confesso que o invejei. Acreditei que podia ser um cara melhor e tentei diversas vezes me espelhar no que ele era, e ele é claro, me apoiava. Poderia ter sido um grande amigo se não fosse um grande filho da puta, não se pode ter os dois juntos. E ele era um grande filho da puta, tentando me arrastar para seu mundo hipócrita e irreal. Eu percebi isso de uma maneira não muito ortodoxa devo admitir. Acordei com uma puta ressaca, e a primeira coisa que pensei - depois de conjecturar sobre as vantagens de ficar na vertical - foi que ele não faria esse tipo de coisa. E ai eu percebi o quão ridículo isto era, que não havia problema algum em não passar de um babaca, e que tudo aquilo que eu jurei que jamais seria, era exatamente aquilo que eu estava querendo ser: alguém como ele. Naquele momento eu percebi tudo, percebi que o filho da puta estava me matando aos poucos, matando meu caráter, matando meus ideais. Tive a impressão de que se todos caíssem nos planos e armadilhas dessa gente, a terra seria o lugar mais babaca do universo. Ou ela já é?... Então eu tive que matá-lo. Mas não se engane. Eu pedi cordial e educadamente que ele fosse embora, que me deixasse em paz, mas ele não o fez. Jogou toda aquela ladainha sobre o babaca que eu era, sobre as oportunidades que eu havia perdido e todas as que ainda perderia, e que eu nunca seria metade do homem que ele é. Então eu o matei com um tiro na cara. Num segundo ele estava no banheiro, me encarando e no outro o barulho ensurdecedor ecoou no meu ouvido enquanto ele caia em cacos sobre a pia e sobre o chão. Eu matei o homem no espelho. Ele ainda me encara, agora com mil olhos, e agora eu vejo que nunca houve futuro nesses olhos, apenas o passado se lamentando por tudo que poderia ter sido. Eu chutei um dos cacos do espelho e disse na esperança de que tenha sido a última coisa que ele ouviu:
- VOCÊ nunca será metade do homem que eu não sou.

Um comentário:

  1. Excelente trabalho, cara! Que sejas o homem que és enquanto o espelho te inveja aos pedaços.

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